segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Na beira da praia engoli sal

Mas todos estão felizes. E não me indigno. Eu levo a vida a torto, como estão nossas costas. A leveza se sente no corpo. Quando se aquece há o toque, a dança que dura um bater de asas. Os amores são difíceis porque escondem silêncio de alma, um vazio necessário, vermelho vinagre, cheiro que se alastra pela casa e a gente tenta esconder. Lembro que meu pai tinha um odor escondido, ditador, vazava da sua boca com a mesma intensidade que tem o rinoceronte, ia me tocando os pelos do braço, a pele, o sangue, o doce do osso. Então eu chorava e via monstros chegarem perto por estradas e rodovias, aquelas garras pontiagudas e os olhos largos de pomba. Lembrar é o som do passado, isso não é solúvel, é amor de filho.
Vejo barcos e vejo pássaros e vejo uma bicicleta na beira da praia: tudo tem sua própria sedução, há uma estranheza turva e viva, amargo anil de pedra, o leite derramado na mesa de segunda-feira. Só tenho sentimento ao que é perene, início, meio e fim; fim, meio e início. Como a mão que busca os mistérios, a vida dos animais domésticos ou a graça estranha do ciúme. Mas de repente tudo se quebra na procura de um infinito perfeito, eternamente durável, plástico; e num raio tudo vira lixo aberto em praça pública, coisa qualquer disfarçado com papel crepom e purpurina, fantasia de carnaval, família feliz para ser exposta na embalagem do sabão em pó. E eu sangro e choro do mesmo jeito que chorei com meu pai, encontrando sentido no que não deve ter sentido, mas a verdade é que também gosto da quebra, da bronca, do soco que transforma fermento em pão
Agora eu penso na gaivota que voa sobre a areia tentando entender se as asas são liberdade. Eu também tento sair do chão, largar os pés por ai e virar bicho do mar, escamado e brilhante, nascer de novo com a solidão mais fria do que aflita, mas o mar é criança bêbada. E aqui nunca teve água, apenas areia e sal.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Eu vi dois homens

Eu vi dois homens
caminhando pela rua
e os passos dos dois era um
porque olhavam o mesmo ponto
e tinham a pele arrepiada
a boca fria e cerrada
como um peixe
que ama outro peixe.
Eu vi e aqui
é puro relato.
O negro da pele
não sendo somente dor
mas também desejo
tesão.
E as duas mãos unidas
rasgando a regra
do nosso tempo
os cabelos crescidos
os músculos escondidos no tecido
Era um véu erótico
sangue lava e brasa
um balão de festa.
Eu vi doação, gesto pausado
amor diluído na carne dos lábios