quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Do chão tudo levanta
e cresce pelos rastros de terra
em movimento vertical
estirando cada fibra-raiz
e laços da carne
a sua incontornável espessura
(levantar-se são gotas de sangue
ou lágrimas que caem
dos olhos e das pernas)

O corpo, portanto, sai do chão
e por isso
não é possível negar
que temos os pés colados à terra.
O corpo não é uma máquina
O corpo não é um sonho
O corpo não dorme com outro corpo
por mais que a pele se dissolva
na quente escuridão do asfalto.

Porque tudo sai do chão
Porque tudo se ergue do frio sólido
como o úmido dos lábios
a voz gritada ao esquecimento
ou o tempo colocado em calendários
é que os nomes são desimportantes.
E já não te digo 70 vezes
quando acordo
ainda que pense as mesmas 70 vezes.

Aquilo que se ergue é incerto e passageiro
duplo
assim são as árvores, as ferramentas
o que se faz entre o branco
e o branco
e o branco
e o branco
que não sou eu, mas a casa
Quatro paredes que envolvem
com sua língua rosada
aquele que nela busca um nome, lar.

As unhas pintam e rasgam
as mãos a que pertencem
O tempo esconde com areia
o movimento oposto que reage
Levantar é uma dúvida
e o couro jamais sera couro
enquanto não levarem o boi.


sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Cesária Évora no meu caminho

Passa no mar
um barco singelo
de navegar tranquilo.
Atravessa o caminho cantando
uma melodia cheia de ladrilhos

Na rápida passagem de mar
ele se vai.
Como onda que nasce sozinha
como toque da viola.
Só fica sua imagem repetida no passado
a experiente voz de marinheiro
que cantava saudades a se sentir

É sal sobre a carne
o som que não se vai.
Meu coração fica a chorar
cheio de dor.

Aquele barco já se foi.
Foi encontrar seu amor
para depois desinventar.
Limpar em água
para pisar sobre a areia
o sorriso acrílico
que deixou no meu rosto.

sábado, 11 de julho de 2015

O pescador

Existe um mistério
imerso dentro desse corpo.
Algo espesso
maior que um peixe
maior que um galho
maior que o barro
fincado no fundo do rio

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Volume

Quero enxergar meu gesto
como uma velha ruiva
que exibe a lingua para o mundo
e grita
o escárnio de todos os dias
o absurdo das coisas
o sexo que some entre as pernas.
(Porque o sexo não passa
da irrelevância da carne
fragmento do corpo
uma gota da tinta não posta no quadro).

O movimento que vem
daquilo que não se vê
é o volume dos meus sonhos
a essência que se busca.
Mas pergunto
-e a pergunta consome-
há essência em todas as coisas?
O vaso, o carro, a janta
as manhãs de domingo
o choro do filho.
Há essencia em todas as coisas?

E assim me desespero
entre passos que tocam a terra
e um respirar sem data
para o fim.
Quero o tempo
que vem de dentro e tem fome
quero o tempo
que é do outro
quero o tempo
que já passou
sem que ao menos o tivesse visto.

Um punhado de sal jogado no mar
é a visão que procuro
pois no reflexo do rosto
vejo meu corpo imerso em oceano:
mas, não sou nem mar nem sal

sábado, 6 de junho de 2015

Aquilo que vi

"Cloud Earth Twist" - Bright Ugochukwu Eke

Vejo um sabor de medo
escorrendo do céu
gotas largas, primitivas
desconhecidas em seus absurdos,
são lanças
ataques violentos
contra a terra
a luz de cada grão
o sangue da areia
o fogo da caverna
a célula original.

Vejo o esquecimento
dos olhos
a cegueira
dos gestos
a transparência da pele
o fraco da pedra e dos ossos

Os passos sobre ovos
sendo passos de gigantes
Cada centímetro
cada lasca
cada sentido
Tudo é em vão
como um buraco que a terra come
um corpo que a chuva leva

Sou o que não vejo
E necessito enxergar
Se o esquecimento
me acaricia os cabelos

segunda-feira, 18 de maio de 2015

O instante

E como se uma bomba
explodisse sobre o deserto
e a areia, a noite, o quente do ouro
toda filosofia,
os fantasmas, os homens,
fossem expulsos:
tudo se tornava vazio em um instante,
peça sem geometria,
complexidade matemática

E meu peito
até então unificado
em um mesmo continente
de repente se abria em mil faces
que recitavam
sua dor incompreendida de bomba.
E o recitar se alastrava pelas veias
por epiderme e pelos.
O branco dos olhos. A pupila intensa.
Assim o peito já não era mais peito
mas usina de sentimento
fragilidade e contradição
um corpo tremendo no infinito
o mesmo tremor que tem a água no mar
Como a doença que rasga a pele
o cheiro da memória do tempo
ou a palavra que incendeia o rio,
não senti a culpa, nem mesmo o pecado
da explosão sobre o corpo.
Meu mundo se fez um deserto
em sua frequente mutação

sábado, 2 de maio de 2015

Herança amarga

Sonho com a paisagem
entre dois mares
o que nela se cria
e recria
um milhão de vezes
em bolhas de sal
e sangue

Ouço risos largos
grandes barulhos de chuva
e o desespero do vento
que bate na pele
para doer o osso

Meu osso é memória
de um grande cilindro de tempo
que não conheci
Meu osso se esconde entre
o quente da carne
e o frio sentimento
entre
o úmido dos orgãos
e o seco da voz
entre
tudo o que se vê
e não vê

É a memória secreta
furada no osso
disfarçada, branca e ausente
calcificada no silêncio
que vibra a carne
o contorno dos olhos
o sentido violento
o descaminho da ação

Se existe aqui
algo que seja indecifrável
culpo a herança amarga
que me acompanha
As bocas que cuspiram a terra

E o que me dói
é o não-nascer
das as cores
dentro do oco
vazio quase morto
que chamam de corpo


quarta-feira, 15 de abril de 2015

Amuleto

Julia F. do Pateo

Essa estranha
elevação de sentir
que os pelos vibram
e os lábios enlouquecem
me faz vontade
de falar frente ao mar
como é imenso
o toque da carne
o som a beira do ouvido.
as cores que saltam
nos mistérios das palavras.
Mas o mar
é ausente, infinito
e jamais entenderia
sobre o caminho
secreto do corpo
ou
sobre a força
do afeto de peles.

Então eu me calo

E nasço cada dia
no limite da brasa
do copo cheio d’água
tentando encontrar
todos os sentidos
de um labirinto.

Mergulho como peixe
no rio dos meus segredos
escondo as costas
em seus dedos
guardo o rosto
em seus braços,
entre suas direções.

E no instante
que te vejo o sorriso
eu cresço
como a árvore
como o fogo que consome
Te sentir
a presença do gesto
e voz
me incendeia
os tecidos e cabelos

Sou o que sinto
navalha úmida que
percorre a esfera
o oco do corpo.
Não diga o fim da noite
Tudo elétrico e vivo
vermelho.
Aqui me aqueço.
Aqui sinto um amuleto.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Na beira da praia engoli sal

Mas todos estão felizes. E não me indigno. Eu levo a vida a torto, como estão nossas costas. A leveza se sente no corpo. Quando se aquece há o toque, a dança que dura um bater de asas. Os amores são difíceis porque escondem silêncio de alma, um vazio necessário, vermelho vinagre, cheiro que se alastra pela casa e a gente tenta esconder. Lembro que meu pai tinha um odor escondido, ditador, vazava da sua boca com a mesma intensidade que tem o rinoceronte, ia me tocando os pelos do braço, a pele, o sangue, o doce do osso. Então eu chorava e via monstros chegarem perto por estradas e rodovias, aquelas garras pontiagudas e os olhos largos de pomba. Lembrar é o som do passado, isso não é solúvel, é amor de filho.
Vejo barcos e vejo pássaros e vejo uma bicicleta na beira da praia: tudo tem sua própria sedução, há uma estranheza turva e viva, amargo anil de pedra, o leite derramado na mesa de segunda-feira. Só tenho sentimento ao que é perene, início, meio e fim; fim, meio e início. Como a mão que busca os mistérios, a vida dos animais domésticos ou a graça estranha do ciúme. Mas de repente tudo se quebra na procura de um infinito perfeito, eternamente durável, plástico; e num raio tudo vira lixo aberto em praça pública, coisa qualquer disfarçado com papel crepom e purpurina, fantasia de carnaval, família feliz para ser exposta na embalagem do sabão em pó. E eu sangro e choro do mesmo jeito que chorei com meu pai, encontrando sentido no que não deve ter sentido, mas a verdade é que também gosto da quebra, da bronca, do soco que transforma fermento em pão
Agora eu penso na gaivota que voa sobre a areia tentando entender se as asas são liberdade. Eu também tento sair do chão, largar os pés por ai e virar bicho do mar, escamado e brilhante, nascer de novo com a solidão mais fria do que aflita, mas o mar é criança bêbada. E aqui nunca teve água, apenas areia e sal.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Eu vi dois homens

Eu vi dois homens
caminhando pela rua
e os passos dos dois era um
porque olhavam o mesmo ponto
e tinham a pele arrepiada
a boca fria e cerrada
como um peixe
que ama outro peixe.
Eu vi e aqui
é puro relato.
O negro da pele
não sendo somente dor
mas também desejo
tesão.
E as duas mãos unidas
rasgando a regra
do nosso tempo
os cabelos crescidos
os músculos escondidos no tecido
Era um véu erótico
sangue lava e brasa
um balão de festa.
Eu vi doação, gesto pausado
amor diluído na carne dos lábios


quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Grandeza

A palavra falada
é a grandeza mais forte
atinge a dimensão
que tem as pequenas coisas:
o pelo dos braços
a dor dos sapatos
a ternura dos lábios

Meu avô sempre contou
sobre as asperezas do barro
hoje vejo que o barro
é mera palavra
constrói quando tratado com respeito
mas
se
mal usado
rasga a pele
apodrece os olhos
enrijece os dedos até
que sumam as caricias que os dedos têm

Somente a palavra é infinita
porque é representação.
Não há felicidade absoluta
o universo é menor que uma aldeia
a dor, o silêncio, o amargo do sangue
angústia
amor eterno amor
tudo é ideia
teatro
palavra:
três silabas guardadas
entre os lábios
a língua nos dentes
e os dentes nos lábios

Hoje sou poeta
Todos somos,
estamos vivos!
não porque escrevo versos
mas porque tento sentir
as delicadezas do ínfimo
o meu silêncio necessário
as palavras esquecidas no céu.
E é quando vejo uma delas
que busco seu abraço
na esperança de encontrar
um sentido desnecessário

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Um sonho

Meu sonho é um homem morto
um senhor de barba
um fraco dos ossos
que caminha a esmo
procurando em estradas vazias
os infinitos caminhos sem fim.

Da sua boca aberta de homem
que é como a boca de um rinoceronte
escorre a solidão das horas
a fecundidade enrijecida
que jogou sua cria
no mar de outros.


A imagem do que sonhei
é covardia.
Um corpo que grita entre a boca
e a perna.
Tudo ali é rubro
tudo ali é mar
e esse mar é rubro
porque o sangue do meu sonho
é um casamento
que vasa da pele
e tingue o cabelo
com dor e sal

Sonhei um senhor que canta o testamento
a vida como palco vazio
e por aqui já não correm cavalos:
É Deus invocado no sertão
vermelho porque nada.
Não há carne que esquente
não há cor que derreta
não há ferro que fure

Um punhado de areia
guardado entre as mãos

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Oceano

"Escrever um poema
é como apanhar um peixe"
Adília Lopes
Tentei pintar de azul
o vazio da minha alma
na esperança de que os peixes
um dia a completassem

E sentisse a espuma das ondas,
barcos coloridos sobre a enseada
deslizando em sentimentos
que jamais conheci
espaços vagos do meu infinito

No peito imaginei o oceano
nos pés sonhei com a areia
fina, quente
vidro em pura simplicidade.

A ternura dos corais
desejei que entrasse pelos olhos
e pela pele escura
o caminho que fica com a partida
Saudade

Em vão tentei
colorir o que não é tela
o corpo que não se arrepia
mas minha reza
ausente de fé, vermelha e velha
nem a dor transformou.