quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Os olhos

a Luisa Caron

Aqui, os olhos encantados
se diluem no tempo
que passa solitário
pelo relógio
noturno

Não existe lua.
As poucas estrelas
que costumo contar
sumiram.
Não há o que que seja turvo
em minha fisionomia.
Sozinho sonho com o destino
porque o destino é o sonho
que ainda não pude enxergar.
Uma flor aberta
no meio do oceano
da memória.
Eu, perdido no interior
de cada um, do mesmo que sou
a cada dia surgido
atrás da pele.

Nas esquinas da mente
só me restam as imagens
dos livros que li:
Árvores enormes escondidas,
crianças que correm pela rua
rios longos e infinitos
bois, mulheres
noites e choros de cidades que não visitei.

Todas as famílias
Todas as histórias
tem sua literatura.
E nelas os olhos dissolvem.
com abertura de água
o mito de suas insonias.

Essa noite, sozinho,
no turvo impacto
da imortalidade humana
acredito
que a eternidade
tem um novo sentido
a cada página.

domingo, 22 de setembro de 2013

Tirésias

Fui dois quando apenas um
fui nada, quando nenhum era meu sexo
E fui cem na hora negra
em que me admiravam.

O sexo me era inexistente
porque de completo tinha
as duas faces do prazer.
Era eu o sangues escorrido
entre as pernas
e o órgão crescido
da amargura dos deuses.

E todos me consultavam
a procura de si mesmo
da memória existente nas estrelas
dos cantos perdidos no tempo
do crime cometido pelo filho
contra o pai.

Meu nome proferido ao vento
minha sabedoria à eternidade.
Um homem que é mulher
a experiencia, dissolvendo-se
no corpo.

Mas aos deuses
Só se deve existir uma noite
uma unica luz negra
uma escuridão que recaia sobre o ser.

Então me perguntaram
e puniram pela resposta inexata
por sua inveja mortal
(escondida no manto
dos que não morrem)
E tiraram o bem maior:
A escolha
do próprio corpo
a transição entre os pontos
o recado que une
o masculino e o feminino

E me cegaram, deuses imortais
com a ira dos desesperados
das agulhas que atravessam o tecido.
Arrancaram-me as pupilas
a leitura, o horizonte
os sorrisos
as cores
os feitos que não vi

Eu me tornava então um cego
acampado na rua.
Um homem dormindo
com seus medos
um mar de escuridão
a enxergar o invisível.

Meu nome, minha imagem
minha profecia: Tirésias.
Aquele que foi dois
e apenas um.

domingo, 15 de setembro de 2013

Perspectiva

Os olhos do mundo
pelos olhos em mim.
As árvores do campo
crescendo nos pulmões
alastrando os galhos
por cada extremidade dos dedos.
Um museu a guardar memórias
em gavetas numeradas
para então dissolve-las
com o ácido grito da voz.
E já não se reconheçe a face
que estampa o ser
ao olha-la no espelho.
Eu, o sonho desenhado na noite de ontem
Eu, o tato que me tocou
Eu humano, antropófago, banal:
Um diabo perdido na luz do mundo

domingo, 8 de setembro de 2013

Cantos ancestrais

"O tempo são os fios
da renda tecida
pelos nossos antigos"
Cada tempo tem seu próprio silêncio.
figuras mágicas que se tecem
na voz dos que já viveram
no leite derramado pelo peito
no sangue que lava o barro.

Porque falecer e sentir a morte
em muitos casos
significa ainda estar vivo
para a terra que jogam
sobre o corpo
para o céu que jogam
sobre o olho
para o salgado mar
que jogam sobre a voz

E assim como um rio
jamais é o mesmo rio
se visto por outro ângulo.
Uma flor não consegue ser
a mesma flor
a cada primavera que vive.
e o vento nunca é vento
Também não posso ser o mesmo
a cada silencio
que me toca
Pois morro desde o momento
que nasci.
E morrer é conhecer os barulhos
dos que contam novas histórias
envelhecidas

Sou agora aquele que olha para trás
a procura de uma memória
perdida na escama dos peixes
nos galpões do mar.
Mas que sente apenas
o vento úmido roçar a nuca
e as correntes estalarem
secas
suas faíscas de grito e a força

O silencio que me existe
não é ausência material
pois canta a história
a dor pesada no ombro
as lágrimas de cobre que rasgaram
a face bronze,
do passado

Esse silêncio
não é o mesmo de anos atrás
(como nunca pode ser)
não é estático
pois se move como peixe
como faca, como capoeira.
Não é mudo
pois fala uma língua escura
da cor da nobreza humana.
Não é fraco
pois sangrou durante séculos

O silêncio que procuro
olha o passado para
cantar o futuro

E clama com sua dança
de silencio agudo
a ausencia de som a qual busco

Meu seilêncio ainda não pode sorrir
porque chora
mas começa a empinar sua pipa
num berro de felicidade eterno

domingo, 1 de setembro de 2013

O reflexo

De que servem todos os prêmios?
O anel de ouro com o nome grafado
a roupa que usou na festa de casamento?
De que vale os méritos que tem o nome
se dentro do infinito
que existe em ti
é um elefante apavorado.

De que valem as mortes e as felicidades
que fingiu passar?
Se ao olhar de seus próprios olhos
consegue ver que eles não existem.
E que seu sangue é marginal
crespo e ralo
claro
como as tristezas familiares.

O cheiro de carne crua
é o que sai de sua pele.
A espera pelo que não vem
é sua maior conquista

De que vale então as tardes com amigos
as frutas que colheu das árvores
as ruas que desceu e as pombas que
diariamente
tentou afastar com seus braços largos?

Seus poemas, sua miopia
suas reflexões frente o espelho
as novas palavras que tenta aprender
os livros, as roupas, as flores
a noite, a lua, os pássaros
De que valem?

Seu sonho é uma galáxia
suja pelo leite que derramou
ao abrir as lembranças
do tempo vivido
em frente sua própria imagem.