quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Sobre o acaso

Existirá um destino
traçado na areia da praia
na curva da rua
no exílio de
cada cidadão
desesperado.

Contra o vento e contra todos.
Mil crimes de amor
enlatados no seu coração
serão mortos em um precipício.
Como o espelho prateado
refletindo a tarde vazia,
a triste rotina
que tens
com seu sigilo

e verá que você
é seu próprio rumo
o outro tempo
a certidão de nascimento
os futuros obituários
as flores explodidas
com quem
se relacionou.

Existirá um dia
nas horas queimadas
nas primaveras
nas serpentinas
coloridas
que sua mão apalpará.
Existirá, preso pelos dentes
a boca
o peito,
o corpo
nu.

E seu sorriso perdido
 sem graça 
de quem ri
a grama envelhecida
as façanhas dos heróis
os cheiros de rosa

Será então
finalmente
um anjo,
vivo

um corpo entregue
a luz da cidade
as estrelas que riem
na madrugada.

Haverá ao menos um destino
para cada um de nós:
uma onda quebrada no casco
uma polpa de fruta
adocicada
um melaço de açucar
pingando sobre
a luxúria.

Viva o fogo
que te nutre
o corpo.
Viva essa lua desregrada
(sem nome)
que se esconde
nos lábios e
pelos
do pavão

Como uma ilha
que se esconde do mar.
Um neto da mãe
a água do sal
uma igreja de pedra
da santidade da fé.

Porque não te haverá
nada de fome
frio, mofo
mas
apenas
sonho
e fogo
e gozo.

A liberdade sempre
o mundo jamais!

Um destino de luz
que se clareie
a eternidade
inteira

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Desapego de mim

Meu peito se rasga em forma de dor
e o sangue escorre pela pele,
viscoso e negro,
como são aqueles animais imundos
que desconhecemos de tato, ou vista,
mas que ao se aproximar
sentimos em seu cheiro fúnebre as narinas
corroendo-se e amarelando-se no enxofre embriagado.

Um anjo se desprende em tormentas de demônio
e soltando-se de suas correntes
sai de mim, de dentro de mim
do meu interior que é infinito e quente
para voltar ao externo e branco
e belo e liso e claro e macio
lábio perdido que o amor que pude dar
não teve.

Meu amor, amor flutuante e falso
agora já se foi sua hora
seu tempo de vida, de cartas, poemas.
Talvez seja melhor
um desenho em branco sobre a pagina negra
que fui sobre ti

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Dúvida

Já não sei mais do que sou feito
se do barro, do espirito ou da carne
(o que me parece mais palpável
e por ser assim, real).

Não sei sobre meus gostos mais internos
minhas percepções sobre as coisas:
a ternura caída das estrelas
quando as olho pelas lentes do óculos,
ou simplesmente a fervura explodida nos poros
a cada nascer de lua.

Por ser real tudo me aflige com força.
Da mesma forma que aflige ao analfabeto as letras
e ao cego a ausência da cor.
Conheço as letras e não sou cego,
embora as vezes me sinta.

Minha alma é movimento virtuoso, cíclico
e sentada em confortável poltrona
afunda-se pelo corpo, ao mesmo tempo
que se dissolve no sangue
com sua fria e meticulosa sensibilidade.

As vezes esqueço meu nome
os encargos que me foram atribuídos
meu endereço, minhas tristezas
e os dias que amei.
Esqueço também da enciclopédica sabedoria sobre a necessidade da morte.

E tenho ainda mais dúvidas.
Porque não lembro como era o cabelo de minha mãe
e nem mesmo a pele nobre de meu irmão.
O que representa a serpente que engole o próprio rabo?
qual a funcionalidade da leitura?
Existirá um contrato entre a lua e o mar?

(– Mas então alguém diga algo que dê sentido
poucas palavras que absorvam esse vazio.
Digam. Digam:
Para que tantos livros enfileirados se nunca os lerei?)

Alguns dias tenho pesadelos em latim
outros premonições em línguas estrangeiras.
Talvez eu ame o futuro
com o mesmo ódio que tenho pelos dias frios.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Fala de Exú

Sou o caminho que se transpõe
o presente, o ontem e o futuro.
Sou o mensageiro do mestre
porque com ele aprendi os dezesseis
números e a totalidade do silêncio.

Sou o mensageiro porque minha voz é conhecimento
e minha paciência perfeição.
Sou o que tudo devora
por conta da fome voraz.

Em minhas mãos tenho as encruzilhadas
as portas das casas.
Sou aquele que nasceu depois
mas merece o respeito de um ancião.

Ouvi do mundo todas as histórias
os sofrimentos da cólera
a solidão aventurada das estrelas
os rios que choram uma hora perdida no tempo.
Ouvi os pássaros, as cataratas, os deuses e as pessoas.

E por conhecer as façanhas da eternidade
juntei os infinitos mistérios:
os caminhos gloriosos dos peixes
os infortúnios da morte e dos homens imbecis.
Nas trezentas e uma histórias do universo
que desvendam, como uma chave, os mitos.

E sou aquele que tem vários nomes
que recebe as primeiras oferendas
e conecta elos distintos.
Fui eu quem presenciou de perto a montagem do ser.

Tudo o que acontece agora já aconteceu antes
por isso minha memória é a essência
o remédio sagrado
os códigos que declaram a verdade.

Sou quem mantém a plenitude, o movimento
o sexo e a mudança.
Pois sou também a oralidade dos povos e a fecundação da vida

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Jorge Luís Borges

A noite, o fervor, a lua.
A memória, as pradarias. A infâmia,
o espelho, a morte, o tempo.
As palavras dos livros
e os livros, a eternidade
(apagada pela cegueira
da alma e do sangue).
As bifurcações
dos jardins e labirintos de pedra,
das ruas ensanguentadas.
O eu em mim e no outro. O mito
vulnerável como areia,
como portas,
como espadas,
como noites, que são mil em uma só.
A esfera cristalina e a sombra
dos deuses, do Deus.
Uma lembrança que concatena a visão;
o barulho do touro e do homem.
Uma voz aprisionada na biblioteca