quinta-feira, 23 de maio de 2013

Hesitação do vento

O Vento que leva as estrelas
é o mesmo vento que te leva.
E envolve sua saia branca
em um leve voo de pássaro.
E faz novelo de seu cabelo vermelho
com as raízes das árvores,
até que não se saiba mais
o que é árvore, o que cabelo e o que vento.

O Vento que leva as ondas
é o mesmo vento que te chama
e faz meus olhos fogo
enquanto você dança e o tecido doce do vestido
te escorre os ombros claros

O Vento que leva os cânticos
é o mesmo vento que avermelha o céu
e derrete pelas nuvens o cobre vermelho de seu cabelo.
E os tira das minhas mão para escorrer nas águas
em que você foi bailarina

O Vento que leva os ventos
é o mesmo vento que te leva de mim;
o Vento que leva o tempo,
o mesmo vento que não me leva
mas leva os ares, as casas, o cal da parede, e os átomos.
Sua franja, suas feições e os afetos.
Os signos, as rezas e seus beijos
o vento que me habitava antes do Vento.

domingo, 12 de maio de 2013

A pele

"Eita negro! 
– Quem foi que disse
que a gente não é gente?" Solano Trindade

Minha pele é de irôko
e de todos os tempos
pretos e brancos
– pele e
somente pele,
carne superficial
sob o corpo plácido –
Não é de porcelana
nem de prata
nem pau
nem de pluma
ou de pedra,
a minha pele.

A pele é meu canto
a tecitura que roça o corpo
o noturno da noite de lama
os tambores palpitando
pela dança dos pés batidos

É esta a pele que sangra o grito:
nas algemas dos navios
dos cavalos, das carroças
dos carros de policia.

A pele que calada
se curva
as balas periféricas
enxertadas no peito,
pontos de sangue
no tapume feito de negros.
Também é minha pele
a capa que cobre a carne
o cobertor sob o corpo
o manto tremulo tapando tudo.

E por ser pele, como toda outra qualquer,
a carne que me envolve,
de nada deveria valer sua cor,
seu cheiro ou o tato a que toca.


terça-feira, 7 de maio de 2013

Teoria das mil e uma faces

Viver uma vida que seja mais viva
e tenha mil faces dentro das cores
que abrem o céu pelo nascer da manhã.

E que cada face se abra para o toque dos dedos,
o doce toque macio dos outros dedos,
a fim de sentir
sobre o cabelo negro que te cobre a fronte
a ternura das mil e uma faces que te tocam.

Conhecer os cavalos persas
o rubro que escorre das pernas
o agridoce que encosta as veias do sexo
e as desmancha
como papel embaixo de gotas d'água.

Buscar em procura eterna
o sonho fugido na noite passada
a onda que quebrou-se na praia
e levou consigo mil e uma pérolas.

As pérolas que as mães tanto amaram
mas sequer puderam ver crescer.
-Buscar também essas pérolas
pois é por elas que choram mil e uma mães.

Fazer o que seja mais belo
dentro das mil e uma faces vividas
para que então, como uma biblioteca
que guarda livros, um céu
que guarda estrelas, um botão
que guarda pétalas.
Guardar tudo o que pode ser dado
pelas mil e uma faces que te servem