quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Ao vento, com carinho

Farei um poema
para que voe aos ventos
e encontre a boca que tanto procurei;
a boca que é desenhada a tinta nanquim
e macia de campos de algodão,
a pele de Afrodite

Para que a descubra a boca
o poema
e tenha as palavras
como dedos tocando os lábios
como dedos passando pela face
como dedos
deslizando ao corpo, ao seios,
ao sons do sexo

Nesse poema escolherei termos exatos
tal os árabes seus ornamentos
os africanos seus deuses
e os latinos sua ternura.
Para que seja agridoce
e tenha as cores do mundo
junto da sutileza das maçãs
do ônus das lutas
dos sentimentos pueris
cultivados nas montanhas do Oriente.
Para que seja eterno, não efêmero
qual sonhos, almas amadas
e tardes de domingo

Com plumas de flamingo
escreverei o poema
e o assoprarei a eternidade, a velhice
as retretes e alagoas do tempo.
Na esperança de que
encontre-se ao tato
da boca que ainda não encontrei.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Canteiros

Em frente a parede clara
de minha casa
existe um jardim,
nele vejo o passar dos anos
como fossem pétalas amareladas soltando-se
livremente ao infinito,
com suas flores brandas e cores serenas,
dentro da plenitude que existe em cada flor.

Minha mãe rega o jardim
e assim a vejo:
com um óculos rosado escorregando pelo nariz fino
–  óculos que se nega fugir pois bem sabe que em minha mãe
só existe um medo, a cegueira,
a tristeza de sentir-se só,
sem o brilho do jardim reluzindo em seus olhos castanhos 
sua roupa de leves grafismos em algodão,
as costas curvando-se com alegria para
aproximar-se do aroma do jardim
e suas mãos livres, macias (que seguram o regador,
mas deixam com que toda sua vitalidade
escorra junto com a água que dá vida ao jardim).

Vejo o sol nascer todos os dias
em um céu aquarela, reluzente feito lábios de amantes.
Abaixo desse céu e dos pássaros que nele voam
vejo minha mãe regando o canteiro.
Por trinares de duvida
percebo que as folhas caem
e minha mãe cria rugas
Aos poucos enxergo que ela se torna flor
Como se tornou minha avó
sua mãe e demais.

A partir de hoje cumpro meu dever:
rego o jardim

domingo, 3 de fevereiro de 2013

O outro mundo, aqui


"Ler, além do mais, é uma atividade posterior à de escrever; é mais resignada, mais atenciosa, mais intelectual" - Jorge Luis Borges

Praticar a leitura é entrar em um labirinto,
achar as letras e po-las cada qual em seu lugar
para então manuseá-las dentro de um mundo
desconexo de domínios ou perdições.
Com a leitura alcança-se o extremo, onde as paredes são claras
e crescem até beirar a solitude dos olhos
lacrimejar, seja pela paixão das palavras
ou pela plenitude e devaneios vinda destas

É por-se contra um muro alto
carregado de vidros
que, por mais calmo que seja,
se tocado as entranhas,
as abrem. Esparramando o sangue
úmido, balsâmico, pelos caminhos do labirinto.

Perder-se nesse labirinto
é aproximar-se da compreensão dos sonhos,
dos significados do mundo
e de sua lua, coberta pelas calmarias do céu.

Dentro do labirinto, da biblioteca, do livro;
chega-se ao absoluto,
chega-se ao limite.
ao momento
em que as estrelas confundem-se com moedas
e sua quantidade é tanta que: incontável.