terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Cólera

Tem tempos que se esavaziam
e ficam sozinhos. Na crista do vento
no cinza da chuva
e no voo dos passaros

As folhas se secam
e nessa secura também
somem outros tantos desconhecidos
(porque tudo parece de cólera,
Em manchas pretas
de tinta ou de sangue
que, ainda que não fossem para isso,
borbulham dentro de cadernos)

Em tempos de choro,
que nem as lágrimas escorrem,
todo dia - ainda que alguns sejam felizes-
é uma folha de caderno vazia.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Sobre os porquês da literatura

Eu gosto das palavras
porque cada uma tem
um desenho, um cheiro
e um calor diferente dos tidos no abraços

Me lembro
que quando era criancinha,
-bem criança, sem saber contar
pros outros os causos do mundo-
que eu olhava pela janela
e via que os pássaros batendo as asas
e essas asas abertas pareciam uma letra.
Ai eu virava para minha mãe e dizia
que as asas dos pássaros eram como letras
e a mãe dizia que sim,
que pareciam mesmo.

(Hoje sei que minha mãe também
tem um olhar doce
e fala coisas tão sensíveis
que nem mesmo a literatura conhece.
Acho que quando ela ficar doente
com os cabelos tingidos de branco
e seus olhos se fecharem pouco a pouco
até sua visão ser o completo oposto da cor dos cabelos
ela vai virar uma estrela, ou talvez uma letra.
Sabe quem um poema de algum poeta
que fale bem das mães).

Hoje não gosto da vida,
e nem de muitas outras coisas,
por isso escrevo: para chegar a algum caminho.
Um caminho que não procuro, que desconheço,
mas que me sinto no dever de encontrar.

Porque as letras são da vida
e tem um cheiro agridoce,
meio de mel,
de amor,
mais ainda de esperança
(que é uma sensação viva).
E são ainda mais prazerosas
quando presas em um texto de um romance na prateleira,
ou quando se libertam das pessoas
pelo estalar da língua no dentes
a propor melhoras e outras ternuras

E é por isso. Por esse amor desmedido e real
que trago estampado no peito
uma tatuagem invisível,
um compromisso sem contrato:
o de não usar a vida às palavras
mas as palavra à vida